Por Elaine Tavares
Quando alguém fala a palavra esporte, a primeira ideia que vem à mente é
alguém num pódio, recebendo uma medalha. Atletas que dedicam suas vidas
ao treinamento exaustivo e que, num determinado campeonato, certame ou
olimpíada garantem seu momento de glória. Mas, se a pessoa resolver
caminhar pelas ruas da sua cidade, vai perceber que o esporte tem outra
dimensão, que é a do movimento do corpo, em brincadeiras e folguedos,
por pura diversão. Um campinho com meninos correndo atrás de uma bola,
sem delimitações de campo, sem gol. Só a gritaria e o drible, entre
risadas. Ou meninas pulando corda, garotos dando cambalhotas, fazendo
manobras radicais com suas bicicletas velhas, voando nos skates. Um
vôlei na praia, o dependurar-se nas árvores, a correria do pega-pega.
Tudo isso é movimento, é esporte.
Nas grandes cidades esses folguedos estão cada dia mais raros. A vida
nos apartamentos, a maneira como o espaço urbano se organiza, tiram das
crianças as possibilidades do movimento prazeroso. E é por conta disso
que existe a luta cotidiana por parques, jardins e espaços de lazer.
Porque é da natureza do humano esse movimentar-se, por puro gosto. Ainda
assim, para as administrações públicas, o esporte está sempre ligado ao
processo de treinamento e competição. Não é sem razão que as políticas
públicas aplicadas ao esporte preocupam-se mais com as construções de
ginásios e com a preparação e atletas de rendimento. Raros são os
administradores que conseguem ligar o esporte com o lazer e a saúde.
Poucos compreendem que um espaço vazio no meio da cidade pode ser um
lugar de encontro da molecada para diversos folguedos.
Muitas vezes, contratar um profissional de educação física para
coordenar atividades físicas de lazer e brincadeira pode ser muito mais
benéfico e eficaz do que a construção de uma arena multiuso. Não que não
precisem existir espaços para treino e competição, mas isso não pode
ser a única política. A rua é espaço de movimento e nela estão centenas
de milhares de crianças esperando por um incentivo. A maioria não está
pensando em ser um grande atleta, apenas quer brincar. É fato que para
as administrações é muito mais vantajoso qualificar um ou outro campeão,
para que quando ele vença as disputas, carregue o nome da cidade ou do
estado. Mas, enquanto um se destaca, ficam pelos caminhos milhares de
outros, sem qualquer chance de viver sua criancice.
Nesse mês vivemos a iminência de uma eleição presidencial e uma boa
olhada nos programas de governo dos candidatos já nos dão alguma ideia
de como o esporte é tratado. No geral, as propostas ficam no campo do já
existente. Melhorias dos equipamentos públicos, mais incentivo para os
atletas, propostas um tanto vagas de incentivo ao esporte e lazer, sem
dizer como esse incentivo seria dado. Nenhum deles apresenta uma
proposta realmente nova, como a que os profissionais de educação física
vêm construindo desde há anos, de valorização das práticas
multiculturais, com adoção de políticas claras para atividades de
esporte comunitário, que garante participação e diversão para pessoas
que não estão interessadas na lógica mercantil que o esporte hoje
vivencia. Talvez a construção de espaços públicos onde pessoas de outras
idades – não apenas crianças – também possam aprender um jogo, praticar
um esporte, com o necessário acompanhamento de um profissional. Escolas
públicas de esporte, por exemplo, específicas, com qualidade e
gratuitas, capazes de acolher as pessoas com suas habilidades e
limitações, dando-lhes a chance de realizar práticas esportivas sem o
apelo do evento, da indústria ou da competição. Lugares onde podem sim
nascer campeões, mas que também sejam sensíveis aos que simplesmente
querem “balançar o esqueleto”, garantindo assim saúde e vida plena.
O centro de referência de Rio Grande
Hoje, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, cidade que viu
nascer o primeiro clube de futebol brasileiro em 1900, existe um projeto
que busca essa ideia de esporte como espaço do lúdico, da saúde e da
participação política. É o Centro de Referência Esportiva, que, por
enquanto, trabalha apenas com crianças e adolescentes, utilizando a
metodologia do esporte educacional. O trabalho é realizado em parceria
com a Petrobras, e atua em seis frentes esportivas: futebol, basquete,
vôlei, natação, taekwondo e box. Todos esses esportes são ensinados
gratuitamente a mais de 600 crianças e adolescentes. A proposta básica
é: ensinar as bases técnicas dos esportes, mas sem perder o vínculo com a
alegria e a democratização dos jogos populares. Não é por acaso que a
atividade mais esperada é o Festival. Nele, as crianças e os
adolescentes mostram o que aprenderam, trocam experiências e realizam
brincadeiras junto com os pais, parentes e amigos. O esporte vira
prática comunitária. Não é um evento feito para vender comida, camisas
ou gente. É só a explosão da alegria.
Nesse processo, o compromisso é justamente discutir e praticar novas
propostas teóricas, novas metodologias, balizando o trato da educação
esportiva de jovens - crianças e adolescentes - moradores de comunidades
em situação de empobrecimento econômico e risco social, incorporando
práticas esportivas de cunho educacional, solidário e cooperativo, o que
permite um olhar alternativo sobre o esporte que, acredita-se, possa se
refletir também em todo o processo educacional, seja formal ou não.
Juntar esportes clássicos com práticas populares leva o jovem a
compreender que aquilo que ele traz como cultura e vivência da rua tem
valor. Assim, a cultura popular também aporta significados ao trabalho
sistemático, típico da ciência. É outra maneira de olhar.
O projeto é, em si, um grande desafio, mas todos os educadores
envolvidos estão seguros de que trabalhada de forma respeitosa, essa
parceria entre a técnica e a alegria das ruas, só pode render resultados
positivos. O esporte não é apenas uma forma de manter o físico ou
disputar competições. Pode ser também espaço de construção de novas
práticas que, saídas do movimento corporal, possam se incorporar na vida
mesma, na política, na economia, no modo de organizar a existência.
Quando abstrações como solidariedade, equidade e cooperação começam a
ser vividas na prática, a tendência é uma mudança radical no cotidiano.
E é por isso que o Centro de Referência Esportiva da cidade de Rio
Grande aposta também na formação de professores, atuando em parceria com
educadores da rede pública de mais nove cidades do estado. A proposta é
tornar a prática da educação física nas escolas um espaço real de
inclusão das crianças, para que cada uma possa vivenciar a prática
esportiva dentro das suas limitações e no seu ritmo.
Escolas de esporte
Mas, essas são propostas pontuais, em lugares pontuais, que precisariam
se expandir para todo o país, sem que fosse necessário viver o estresse
de buscar recursos, realizar parcerias privadas, participar de editais e
coisas assim. Isso deveria ser política pública, compromisso
governamental para constituir uma geração de gente saudável, capaz de
viver o esporte como prazer e não como um momento de tortura no colégio.
E tudo isso também precisaria ser acompanhado de perto por profissionais
capacitados, para que as pessoas pudessem praticar os esportes ou as
atividades sem risco. Um exemplo de ação ineficaz é o das “academias”
populares que muitos administradores resolveram colocar pelas cidades. É
um conjunto de equipamentos para a realização de exercícios físicos que
se plantam nos bairros ou nos espaços mais frequentados como parques e
jardins. Ali, as pessoas que não têm condições de pagar uma academia de
ginástica, supostamente podem se exercitar e ficar em forma, como
qualquer cidadão de posses. Digo supostamente porque é uma enganação. Os
equipamentos vêm com algumas dicas de como usá-los, mas cada pessoa é
uma pessoa. Precisaria de um acompanhamento para ver se está fazendo o
movimento correto, usando o peso acertado para sua conformação corporal.
E aí, um profissional de educação física é fundamental. Nesse caso, a
prefeitura deveria também contratar o educador para acompanhar as
práticas comunitárias. Isso sim seria uma bela política pública de
atendimento à população, afinal, o que se exercita – com alegria e nos
seus limites - frequenta menos o posto de saúde. Mas, do jeito como é
feito, o uso inadequado dos equipamentos causa mais problema que
vantagem.
Na verdade, essas são medidas cosméticas, que não estão comprometidas
com as necessidades da população. As práticas esportivas seguem sendo um
divisor de classe. Os que têm dinheiro podem aceder às academias,
professores, técnicas, ginásios, complexos esportivos. Os que não têm
brincam na rua até que são pegos pela roda de moer que é o trabalho e
tudo o que conhecem de esporte é um joguinho de futebol no final de
semana para os homens e as estranhas “academias populares” que provocam
torções e dores, para as mulheres, quando muito.
Por isso insistimos nas escolas públicas de esporte, espaços públicos
onde as pessoas possam vivenciar práticas esportivas de toda ordem, do
basquete à peteca, e que possam abrigar crianças, jovens e velhos na
alegre e divertida prática de jogos e brincadeiras. Assim sendo, podemos
viver num mundo mais sadio. O esporte deve ser uma prática de todos.