Educação Física nas escolas - uma opção política



Por elaine tavares

A sala de aula é um espaço político. Assim, as escolhas do professor por essa ou aquela metodologia de ensino revelam também uma posição sobre o mundo. Isso quer dizer que qualquer cadeira estará submetida ao crivo da política, mesmo a da educação física, que aparentemente, nada teria a ver com o tema. Ora, ao se filiar a um determinado conceito de esporte o professor está igualmente demarcando um território que tanto poderá sustentar o estado de coisas, como poderá alterar de forma indelével a vida dos estudantes.
Reiner Hildebrandt-Stramann, no seu livro “Textos pedagógicos sobre o ensino da educação física” alerta que se o professor enxergar o esporte como um sistema, o caminho que seguirá é o da redução da complexidade. Logo, vai se amarrar às regras, normas e preferências que, de certa forma, tornam o esporte algo homogeneizado. “O sistema do esporte dá uma resposta específica ao problema do movimento humano”, diz.  Assim, ao ensinar dentro desse escopo, o professor oferecerá ao aluno uma padronização. E, nesse caso, é o aluno que deve se adequar ao sistema. A lógica é a da comparação e da competição. Vence quem tem melhor preparo dentro das regras determinadas, o que se adapta melhor aos equipamentos pré-determinados, e os que não têm habilidades estão excluídos. É esse conceito que sustenta o esporte de rendimento, por exemplo. Apenas alguns são capazes.

Um exemplo que Reiner dá é o do atletismo. Tudo está determinado: a distância a ser percorrida, o tamanho da pista, as técnicas que o corpo deve seguir para vencer. Todo movimento corporal precisa ser submetido ao que exige a competição. Redução da complexidade, treinamento exaustivo, repetição.  Isso já deixa bem claro que há um abismo entre o que seja local de movimento e local de competição. Nas ruas de terra das periferias do país, podem-se ver meninos e meninas pulando, saltando, virando cambalhotas, sem que nenhuma regra limite os movimentos. O esporte, nesse caso, é uma brincadeira, não submetida a regras estáticas, muito menos ao sofrimento dos treinamentos extenuantes. Ali, na rua, o que importa é o movimento, a pirueta, alegria de inventar uma cambalhota mais ousada.

Por isso é uma escolha política quando o professor de educação física decide transportar para as aulas o conceito do esporte como sistema, reduzindo assim as possibilidades de movimento e de inclusão. É escolher a fórmula estática, o ficar como é, a não-mudança. Para Reiner, o compromisso deveria ser outro: a tarefa principal do educador teria de estar ligada ao desenvolvimento da complexidade, a possibilidade do aluno desenvolver uma experiência diversificada de movimentos, para além das regras das competições. É a proposta da mudança, da participação, da invenção.

Nesse sentido, definir o esporte educacional como metodologia de trabalho no campo da educação física implica aliar-se a outro conceito de esporte, que é o de ampliação da complexidade do significado do movimento corporal, uma proposta includente, que prioriza a abertura para alegria e para o encontro entre diferentes. No esporte educacional não está em questão o rendimento, o cumprimento acrítico das regras, e muito menos a separação entre aptos e não aptos, habilidosos e não habilidosos. Há uma visão crítica do ensino do esporte, na qual se sobressai, obviamente, a crítica. Assim, ao mesmo tempo em que são apresentadas as regras fixas dos esportes, o elemento crítico permite que o aluno possa compreender o esporte na sua totalidade e complexidade, capacitando-o para mudá-lo de acordo com seus interesses. Na tarefa crítica está a ampliação do significado do movimento, muito além do ganhar ou perder. É quase como inverter todo o processo do esporte institucionalizado.

Por isso que no ensino da educação física também devem estar presentes os elementos  histórico-sociais. Entender onde se está atuando, em qual escola, qual bairro, com que classe social, em que contexto histórico, é fundamental para que o ensino do esporte fique sempre na “tensão normativa  da realização pessoal individual e a emancipação social”.  Isso significa que a educação ministrada seja capaz de tornar o aluno um ser atuante, não só no desenvolvimento do esporte em si, das suas habilidades pessoais, mas também da sua capacidade de atuar na vida política da escola, do bairro, da cidade, do país.

É o que faz o esporte educacional quando, professores e alunos,  juntos, vão construindo criticamente a forma de praticar as atividades físicas. Há uma interação, há espaços e graus de liberdade que permitem ao aluno criar, inventar materiais, regras, processos e apontar novos caminhos. É uma parceria e não uma relação de poder.

Assim, na encruzilhada do ensino, as estradas estão abertas. Mas, há que definir claramente a posição política: cristalizar o já definido, ou abrir-se para o novo. Um desafio cotidiano.

Esporte Educacional receberá verbas da Petrobras

















O professor Paulo do Canto Capela, coordenador do Vitral Latino-Americano de Educação Física, Esporte e Saúde, ligado ao IELA, foi convidado pela Petrobras para ser um dos pareceristas do Edital da empresa que selecionará projetos em Esporte Educacional em todo o pais. O edital distribuirá até 45 milhões para entidades que estejam trabalhando com essa metodologia, que foge da lógica do esporte de rendimento. O Esporte Educacional tem como referência a inclusão de crianças e adolescentes no mundo da prática esportiva, sempre levando em consideração as condições e os limites de cada um , permitindo que o esporte seja um prazer e uma alegria, sem a pressão da competição e do rendimento.

O processo de seleção será feito em 10 dias, no Rio de Janeiro, e conta com 1.450 projetos inscritos. Segundo Capela, o investimento da Petrobras no Esporte Educacional supre uma lacuna muito grande que, na verdade, deveria ser preenchida pelo Estado. Mas, hoje, do Ministério dos Esportes, as verbas que saem são massivamente para o esporte de rendimento, o que leva a um empobrecimento do esporte e a exclusão de milhares de crianças. "Para nós, estar entre os pareceristas que avaliarão tantos projetos, de tantos lugares diferentes desse país, nos permitirá ter um diagnóstico real da situação do esporte no Brasil. São essas demandas de pequenos municípios, de projetos sociais, que dão a verdadeira dimensão das necessidades da prática esportiva, includente e democrática. A gente sai dos muros universitários e fica cara a cara com a vida real".